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4 de junho de 2024 | israelrienzopsicologo.com.br
Sobre a Perda
A experiência da perda é uma constante na vida humana, permeando diversos aspectos de nossa existência. Seja pela ausência de um ente querido, a mudança de um status social, ou a desapropriação de bens materiais, a perda carrega um peso emocional significativo. Entender como lidamos com essas situações é fundamental para compreender os processos de luto e a forma como reagimos diante das adversidades. Este texto explora os impulsos e comportamentos gerados pela perda, especialmente em tempos de crise, e destaca a importância de elaborar essas experiências para redirecionar nossas emoções de maneira saudável.
A perda é compreendida como tudo aquilo que tem um valor emocional para o sujeito, seja um ente querido, situação civil, status, amigos, propriedades, etc. Em algum momento da vida, todos nós vivenciamos três fenômenos que podem ou não estar relacionados: a perda, o luto e a morte. A perda e sua elaboração são processo contínuos no desenvolvimento humano.
Diante da perda, podem surgir dois impulsos distintos: abatimento ou rebelião contra a realidade apresentada. Durante a pandemia, observamos esses dois movimentos. Uma parte da população brasileira, diante das frustações e na sua tentativa de lidar com as perdas, tentou colocá-la como uma realidade distante, exemplificado ao lotarem as praias mesmo diante do cenário pandêmico, além da insensibilidade diante da dor do outro, exceto ao se tratar de um ente próximo. Isso evidenciou como o relaxamento dos laços coletivos tem repercussão na moralidade de cada indivíduo, passando a priorizar satisfações individuais em detrimento das necessidades coletivas. Apesar disso, houve movimentos que buscavam resgatar a dignidade humana.
Embora frequentemente relacionada a morte, a perda é um fenômeno para além dela. Ao elaborar a perda, o sujeito tem a possibilidade de redirecionar sua libido, anteriormente depositada em um objeto de amor perdido, para um novo objeto – um processo que não é nem um pouco simples.
Sobre a Morte
A morte é um fenômeno universal que assume múltiplas formas e significados dependendo de como cada indivíduo a percebe e a representa. Esta complexidade se reflete tanto nas reações emocionais quanto nas práticas culturais ao longo da história. Cada um de nós carrega consigo uma representação única de morte, atribuindo-lhe personificações, qualidades e formas variadas. Há diversas mortes, cada uma a partir da representação que a pessoa lhe atribui. Quando compreendida como o fim de algo, relaciona-se com a perda e, comumente, ao luto – a reação do sujeito perante uma perda. Como perda, envolve uma relação entre pessoas em um tempo e com sentimentos envolvidos (além da própria pessoa). E se essa morte ocorre de forma inesperada, traz consigo a possibilidade de desorganização, paralização e impotência para quem permanece.
A morte simbólica nos acompanha ao longo de todo nosso desenvolvimento humano. Um exemplo é quando a criança experimenta a ausência da mãe, mesmo que brevemente, sentindo-se desamparada e só. Carregamos essa marca ao longo da vida em forma de ausência e perda e, juntos delas, o desamparo. Apesar de cada pessoa temer um aspecto da morte, temos comumente dois aspectos: i) medo do abandono, da ausência e da separação na morte do outro; ii) consciência da finitude e o medo do desconhecido, do sofrimento na própria morte. O medo da morte tem seu aspecto vital na medida em que nos protege de atos destrutivos e autodestrutivos. No entanto, se este medo se tornar demasiadamente intenso e paralisante, a pessoa passa a deixar de viver para não morrer.
Ao longo da história humana, houve diferentes compreensões sobre a morte. Na época medieval, havia uma representação de morte domada, com o medo de morrer repentinamente, anonimamente, sem homenagens. Avançando no tempo, há uma representação da morte como morte de si mesmo, com o medo do julgamento da alma e sua ida para o inferno ou céu. Nos séculos XVII e XVIII, a morte era temida pela confusão entre vida e morte e o medo de ser enterrado vivo. No século XIX temos a morte romântica, uma morte como uma possibilidade de reencontro no além com os entes queridos, mas havia o medo de que as almas do outro mundo viessem para molestar os vivos. A partir do século XX, surgiu a morte invertida, há uma vergonha da morte, que passou a ser escondida – a morte “boa” seria repentina, sem ser percebida, e seu local transferido do lar para o hospital. Embora os significados, rituais de passagem e explicações variam conforme as diferenças culturais entre as sociedades, compartilham os mesmos sentimentos, cada um sofrendo à sua maneira.
Com a pandemia de Covid-19, os rituais tradicionais de morte foram alterados. Vivenciamos tanto a perda de vidas quanto de empregos e interações sociais presenciais. A pandemia desorganizou a realização dos rituais funerários e despedidas das famílias, que podem ser espaços potentes de elaboração da perda e reorganização psíquica da vida sem o ente querido.
Sobre o Luto
Compreender o processo de luto é fundamental para auxiliar o enlutado(a) a lidar com a carga emocional desse processo, pois ele(a) pode não ter estrutura emocional suficiente para lidar com a perda de quem lhe é muito importante. É necessário que o sujeito consiga elaborar esse processo de luto, caso contrário, ele ficará preso em algum estágio desse processo, preso em uma perda não elaborada.
Os estágios do processo de luto, segundo Elizabeth Kluber Ross, são a negação, a raiva, a barganha, a depressão e aceitação. Dependendo do modo como o sujeito lida com essa perda, os estágios podem ocorrer em ordens diferentes, mas é comum que o sujeito passe por pelo menos dois deles.
Na negação – primeiro estágio do luto – o sujeito nega a realidade, numa tentativa de evitar o sofrimento. Ao se dar conta de que o que está acontecendo é de fato real, o sujeito passa ao estágio da raiva, caraterizado por sentimento de revolta e ressentimento. É o resultado da intolerância a frustações ao decorrer da vida, terceirizando culpados até que tenha estrutura emocional para dar novo significado a situação. No estágio da barganha, o sujeito busca algo que adie ou desfaça o mal, voltando-se para o seu lado espiritual e realizando promessas na esperança de ter seu pedido atendido, semelhante a uma criança que, ao perceber que não adianta fazer birra, pede por favor. No estágio seguinte, a depressão, o sujeito já se sentem esgotado e sem esperanças, voltando-se para si e recordando dos momentos com o objeto perdido, gerando um sentimento de impotência. No último estágio, a aceitação, o sujeito para de lutar contra o ocorrido e entende que o melhor é renovar as forças, dentro de seus limites e possibilidades, para superar a perda. A partir desse ponto, estará livre para buscar um novo objeto de amor.
O luto é um processo necessário e saudável, apesar de sofrido, para a manutenção da saúde mental. Se mal elaborado, pode se manifestar de inúmeras formas e desencadear diferentes patologias. A superação da perda varia de sujeito para sujeito e envolve a forma como ele enfrenta os acontecimentos ao seu redor, sua personalidade, o momento em que se encontra em sua vida e o grau de importância do objeto.
A psicanálise não só auxilia o indivíduo na identificação da sua situação, seja um luto mal elaborado ou uma patologia, como também possibilita que o sujeito dê vazão aos seus sentimentos, oferecendo o suporte necessário.
Concluindo
Todos possuímos fantasias inconscientes sobre o que seria a morte, sejam elas fantasias terroríficas ou prazerosas. Vivemos em um estado constante de conflito entre a pulsão de
vida – que leva ao crescimento, desenvolvimento e manutenção da vida – e a pulsão de morte – que leva à desintegração. Ambas funcionam sempre juntas em um processo dialético.
Apesar de vivermos em uma constante dialética entre a pulsão de vida e a pulsão de morte, enfrentando as mais diversas fantasias sobre o que seria a morte, é essencial reconhecer que lidar com a perda e o luto faz parte da jornada humana. Em uma sociedade imediatista, a negação muitas vezes se entrelaça com a falta de tempo para enfrentar o sofrimento. No entanto, buscar ajuda e aprender a lidar com as frustrações são passos cruciais nesse processo de aceitação e crescimento.
AGUIAR, P. A. S.; ARAÚJO, A. L. S.; SBRUZZI, B. F. O resto que a pandemia desvela. Pretextos – Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, v. 6, n. 11, p. 271-282, 20 mar. 2022. Disponível em https://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/26048/19571
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