Logo carregando Carregando site...
Agende um horário ou obtenha mais informações:

Perspectivas históricas e contemporâneas sobre saúde, doença e cuidado: uma análise interdisciplinar

16 de abril de 2024 | israelrienzopsicologo.com.br

Há diferentes compreensões sobre os processos de saúde e doença ao redor do mundo ao longo de diferentes períodos da história humana e, consequentemente, também da lógica de cuidado.

Na Grécia antiga (pré-hipocrática), a doença era vista como mágica, como obra de deuses e, desse modo, a doença era causada por desequilíbrio de humores e paixões. Na Idade Contemporânea, o cuidado para com as pessoas em sofrimento envolvia seu enclausuramento, ou seja, o cuidado destas e de outras pessoas tidas como indesejáveis – todos aqueles que não contribuíam ativamente (trabalho) para com a sociedade – era isolá-las desta sociedade.

Com as transformações da sociedade, vemos as causas das doenças compreendidas a partir de uma dimensão biológica, fisiológica, de uma psiquiatria biologicista. Com Freud, a compreensão da pessoa sobre seu próprio sofrimento era fundamental e, assim, pela primeira vez, a pessoa em sofrimento passava a ter voz ativa diante de seu próprio sofrimento – algo revolucionário pois, até então, a pessoa adoecida era vista sempre como passiva diante de seu próprio sofrimento, sendo a sociedade ou a própria família quem teria responsabilidade legal por essa pessoa.

Com as guerras mundiais e a Europa arrasada sem mão de obra, as pessoas enclausuradas passaram a ser vistas como mão de obra que estava sendo desperdiçada. Surgiram então as comunidades terapêuticas que, inicialmente, se propunham a ofertar cuidado baseado no trabalho. Com o passar do tempo, a compreensão acerca dos hospitais psiquiátricos e das comunidades terapêuticas passa a se transformar, caminhando de um lugar de “depósitos de pessoas”. No caso das comunidades terapêuticas, passaram a ser vistas como locais que utilizavam de mão de obra barata. Portanto, os verdadeiros clientes destas instituições não eram as pessoas internadas, seu cuidado não era voltado à manutenção de seu bem-estar, mas sim das necessidades e interesses da polícia, parentes e juízes. O cuidado ainda era institucionalizado.

Com as contribuições de Foucault sobre a loucura, Goffman sobre as instituições totais, e Basaglia com a reforma psiquiátrica italiana, uma nova compreensão sobre o processo de saúde e da doença começou a ser construída, com vistas a desinstitucionalização, a luta contra a segregação e estigmatização, a formas não violentas de se relacionar com o adoecido, além de sua (re)integração na sociedade.

No Brasil, com o Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica (MBRP), o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) na década de 1970, do Movimento da Luta Antimanicomial e o Sistema Único de Saúde (SUS) no fim da década de 1980 e início da década de 1990, tem-se a implementação de um modelo de Atenção Psicossocial, que, entre suas diretrizes gerais, há uma mudança na ênfase do cuidado, que deixa de estar no tratamento e passa a ser a atenção. Isso significa que a atenção da equipe vai para além do sintoma, passa a estar focada naquele que expressa o sintoma.

Com tudo isso, podemos ter uma compreensão mais holística acerca do sofrimento, considerando os marcadores sociais, a linguagem e o discurso, além do desamparo discursivo. Essa compreensão nos permite abordar o sofrimento de forma mais completa, levando em conta aspectos sociais, culturais e discursivos além dos aspectos biológicos e psicológicos.

O modo como são utilizados os marcadores sociais – construções sociais que se articulam de maneira a produzir maior ou menor inclusão/exclusão – podem acabar reduzindo grupos a um único aspecto e, desse modo, possibilitar que seja construído um discurso onde tal aspecto e, consequentemente, tais grupos, seriam os responsáveis pelo o que acontece de mal na sociedade, como uma ameaça à ordem e a uma identidade – baseada em relações de poder. Desse modo, tais grupos serviriam como bodes-expiatórios para mascarar um discurso inconsistente e fantasioso.

Assim, tais discursos, que são de dominação do outro, acabam sendo utilizados para impor e preservar os privilégios da classe dominante – atualizada para os novos contextos, mas ainda assim, presentes – a partir da alienação dos sujeitos explorados e da limitação de seu campo de resistência.

No discurso podemos ter uma expressão de desamparo discursivo, por exemplo a partir de um discurso que culpabiliza o próprio sujeito, e um sofrimento sociopolítico (presença da dimensão social, cultural além da dimensão individual) que, inclusive, aparecem nos casos clínicos. Os marcadores sociais podem recair sobre o sujeito como se fosse uma falha individual, e podem tanto impedir que o sujeito reflita quanto ser um ponto de ancoragem para uma reconfiguração de sua história.

O modo de se falar, na construção do discurso, traz elementos para compreendermos a subjetividade do sujeito, pois, esse modo de construção do discurso expressa lugares sociais e de fala, e pode apresentar uma naturalização da desigualdade social, servindo para a manutenção de um sistema de exploração e dominação de corpos e da própria subjetividade.

Na clínica, temos a importância de alguns elementos para a construção do processo terapêutico, entre eles: o papel do silêncio (seria silenciamento?), os impedimentos sociais dos processos de luto, o sujeito e seu processo de identificação e reconhecimento (de si para si e de si na sociedade). Têm-se uma busca pela descolonização do olhar. Nesse processo, temos um “tornar-se homem”, “tornar-se mulher”, “tornar-se negro”, etc. construído a partir da trajetória singular de um sujeito, da sua relação com o outro.

Referências

BLEICHER, T. O processo saúde-doença mental: perspectivas históricas no Brasil, à luz do contexto internacional. Fortaleza, CE: Editora da UECE, 2021. ISBN 978-65-86445-90-9.

ROSA, M. D. Os marcadores sociais e a marca do caso: linguagem e discurso na clínica psicanalítica. In: KAMERS, M.; JORGE, M.A.C.; MARIOTTO, R.M. Psicanálise, Clínica e Cultura. Salvador: Ed. Ágalma, 2022

Mais artigos

29 de abril de 2025

Entre algoritmos, afetos e ruínas: o inconsciente em tempos de neoliberalismo digital

Como o capitalismo contemporâneo coloniza nossas experiências mais íntimas — e por que ainda é possí...

Leia mais

27 de junho de 2024

Quando o Sofrimento é Silenciado: uma reflexão sobre saúde mental, sociedade e subjetividade

Vivemos em uma sociedade em constante transformação. Compreender o sofrimento psíquico sem levar em ...

Leia mais

4 de junho de 2024

Entre a vida e a morte: a importância de elaborar o luto

Sobre a Perda      A experiência da perda é uma constante na vida humana, permeando d...

Leia mais